01/08/2015

O TROPEÇO NO PERFECCIONISMO.

ou NÃO LEIA ISTO SE VOCÊ É UM PERFECCIONISTA.

por Dr. Noa Kageyama, publicado originalmente no blog do site The Bulletproof Musician
DON'T READ THIS IF YOU ARE A PERFECTIONIST



Russell Crowe no filme "Robin Hood", de 2010. Foto: David Appleby - © 2010 Universal Studios

Nós todos sabemos que a música não é um exercício de perfeição técnica, e que o objetivo não é só tocar mais afinado e mais “perfeitamente” que a outra pessoa, mas é muuuito difícil deixar de lado esse desejo de performances “de Notas Perfeitas - especialmente em audições e competições.


Mas olha só isso: paradoxalmente, um dos principais ingredientes para o sucesso em performances/audições (e um desempenho "perfeito") é deixar de lado essa fixação por perfeição.


Quê? Isso me parece ao contrário.



Isso soa meio um contra-senso, mas acontece que a perfeição é uma ilusão. É como o mítico pote de ouro no final do arco-íris. Quanto mais perto você chega, mais para longe ele se move. Quanto mais você melhora, mais espaço para melhorias você vê.Direcionar-se para a perfeição é uma coisa. Esperar a perfeição, exigir, e se açoitar por não alcançá-la, te condena ao fracasso, frustração e diminuição da confiança e motivação.

E daí? Eu tenho que baixar meus padrões, então?

Não exatamente. Mantenha seus padrões altos, talvez até mais altos - mas mude a sua definição de perfeição.

O PROBLEMA COM PERFECCIONISMO

Uma vez ouvi alguém definir o perfeccionismo assim: “ficar tão preso aos detalhes que se esquece o objetivo.” A técnica é, na verdade, apenas um meio para um fim, mas nós o esquecemos facilmente. Passamos a maior parte do nosso tempo focando em questões de técnica, trabalhando para melhorar as nossas competências nesta área, e muitas vezes esquecemos pra quê. Quando começamos a aprender uma peça nova, a maioria da nossa atenção começa nos detalhes técnicos, ao invés dos elementos musicais, e muitas vezes não amarramos os dois juntos antes de ter os elementos técnicos embaixo dos dedos. Mas esta abordagem está, na verdade, ao contrário (e não, não importa se somos iniciantes ou solistas de nível mundial - leia o que diz Dr. Robert Duke sobre este tema aqui).

O pianista Leon Fleisher observou uma vez que você só precisa da técnica necessária para dizer o que quer dizer.


É um pouco como aprender uma língua estrangeira. A idéia é ser capaz de se comunicar com outra pessoa, certo? Você pode não ter o sotaque certinho, nem mesmo a estrutura gramatical correta, ou escolher as palavras apropriadas, mas seu objetivo principal é, provavelmente, ser capaz de chegar ao banheiro antes de ser tarde demais, e não falar como um nativo, certo? Com seu objetivo definido, só depois você descobre todos os detalhes (vocabulário, gramática, pronúncia) de como passar esta mensagem.

É bem igual em música - é preciso primeiro descobrir o que queremos dizer ou comunicar ao nosso público, depois disso vamos então saber quanto trabalho precisamos nas questões técnicas de modo a ser capazes de transmitir isso com êxito. Quero transmitir dor no coração nesta frase? Quais elementos musicais transmitiriam isso? Que tipo de som, articulação, fraseado, etc. sugere essa dor? Que técnica é necessária para executar bem esses elementos? Controle do arco? Controle da respiração? Coordenação entre mão esquerda e mão direita?

COMO O PERFECCIONISMO TE IMPEDE DE FAZER O SEU MELHOR

O negócio é o seguinte: quanto mais você se concentrar em perfeição técnica, mais nervoso você tende a ficar. Por quê? Porque não tem muito mais que isso rolando para você - e sabe que a probabilidade de um desempenho tecnicamente perfeito é perto de zero. Há uma parte de você que sabe que é provável que falhe tanto do ponto de vista técnico quanto do ponto de vista “levar-o-público-às-lágrimas". Não admira que esteje nervoso - você está se preparando para falhar.

Pegue um jogador de golfe, por exemplo. Se o jogador se concentrar demais em balançar “perfeitamente” o taco, e não o suficiente em onde ele quer que a bolinha vá, ela muitas vezes não vai para onde ele queria que fosse. Quão perfeito foi o balanço realmente não importa - o destino final da bolinha é o importante. Em vez disso, foque onde você quer que a bola vá, e seu corpo descobre uma maneira de mandar pra lá (supondo que você tenha tido o treinamento adequado, e que tenha praticado corretamente).

Assim como é possível levar alguém às lágrimas com um desempenho menos que “perfeito”, mas que tem coração e alma, também é possível fazer o público dormir com uma performance de-Notas-Perfeitas que não passa nenhuma mensagem - um desempenho que é, em essência, apenas uma seqüência ensaiada de sons bonitos, e não muito mais.

O clarinetista James Campbell disse uma vez que, se você está nervoso, significa que não conhece a música bem o suficiente. Eu acho que ele quer dizer que se você realmente sabe a música, tem uma ideia muito clara sobre o que está tentando dizer, e mantém o foco nesta questão durante a sua apresentação (a mensagem, não o “como fazer” dos detalhes técnicos), as limitações da capacidade de atenção do seu cérebro vão deixar muito pouca oportunidade para processar pensamentos relacionados à preocupação, nervosismo, falhas, etc. Em outras palavras, você acaba ficando tão focado nas coisas que importam e sobre as quais tem controle, que não tem tempo para ficar nervoso.

Quando você se concentra na música e no que pretende “dizer”, os nervos tendem a ser um problema menor, mas mais importante, você também tende a tocar melhor - mesmo em termos de afinação e som. Quando você sabe que tem algo especial para comunicar, a tendência é se preocupar só em dizê-lo, em vez de se preocupar se vai sair “perfeitamente”.

Ok, eu posso ver o benefício de deixar de lado a perfeição em concertos, mas e em testes/concursos? O ponto é ganhar, certo?

Na verdade, é a mesma idéia com concursos/testes. Sim, seria ótimo ganhar, mas isso realmente não é você quem decide.

VOCÊ TEM UMA RESPONSABILIDADE PARA COM O PÚBLICO, NÃO PELO PÚBLICO.

O que isto significa?

Você tem a responsabilidade de mostrar ao júri a versão mais autêntica de quem você é, e do que tem a oferecer. De qualquer maneira, você não sabe o que eles estão buscando, e certamente não pode controlar o que eles pensam sobre a sua performance, então você pode mostrar a eles quem realmente é, em vez de tentar soar como alguém que não é. Claro, eles podem odiar, e você pode não representar o tipo de instrumentista ou “som” que eles estão procurando, mas pelo menos você tomou uma atitude e tocou o seu melhor, em vez de soar como uma versão genérica de outra pessoa.

Você precisa tocar perfeitamente? Sim, sem dúvida, mas isso é apenas uma parte do que você trabalha na sala de estudo. É contraproducente fazer da técnica o seu único foco quando você está de pé na frente do biombo. Isto leva à “paralisia por análise” e erros técnicos, para não mencionar um desempenho maçante e sem inspiração.

TOME UMA ATITUDE

Eu costumava assistir um monte de programas de reforma de casa no HGTV (canal americano sobre arquitetura e decoração*), e eu me lembro de um episódio onde um jovem casal redesenhou sua sala de estar com um visual de inspiração gótica. Um monte de pretos, vermelhos, estátuas de pedra, etc. Não tinha absolutamente nada que ver com o meu estilo e me daria arrepios de viver lá, mas tenho que admitir que foi extremamente bem feito. Eles se comprometeram totalmente com o estilo, e não cederam em nada. Sem pedir desculpas, sem abrir mão de nada do que queriam. Neste sentido, foi muito mais bem feito do que as reformas dos outros dois casais que foram mostrados nesse episódio.

Linha de fundo? Tome uma atitude, uma posição. Cultive os mais altos padrões, mas padrões baseados em música, que giram em torno de suas intenções musicais e de como você é capaz de transmiti-las com sucesso, ao invés de padrões baseados na técnica, tais como afinação perfeita e som. Você vai descobrir que quando tiver algumas idéias musicais muito legais, interessantes e atraentes para compartilhar, vai ficar menos nervoso, o seu desempenho será de qualidade bem maior e, paradoxalmente, você provavelmente vai ver que o som e afinação melhoram também.

PENSAMENTO DE DESPEDIDA

Vou deixá-lo com uma citação com a qual me deparei recentemente. Aparentemente, isto está pendurado na parede de uma das salas de dança da Juilliard: “A única razão para dominar a técnica é garantir que o corpo não impeça a alma de se expressar.

Deixe a de perfeição de lado em favor de cultivar uma mensagem clara, e você vai se encontrar tocando mais perfeitamente na entrega desta mensagem.
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*Nota da Tradutora


Dr. Noa Kageyama é um violinista que resolveu partir para a área da Psicologia da Performance e hoje integra o corpo docente da Juilliard School e New World Symphony em Miami, além de ser convidado das principais instituições de ensino de música nos EUA, ensinando músicos como tocar o seu melhor sob pressão através de aulas ao vivo, treinos e um curso on-line.


Tradução autorizada, por Helena Piccazio.

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